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Porta dos Fundos: entrada livre para o humor e sucesso

Helena Cardoso

23 de nov. de 2023

Crítica de mídia - Canal da Imprensa

Em uma noite animada, sentados em uma mesa de bar, cinco amigos discutiam sobre os mais variados assuntos. Antonio Tabet, Fábio Porchat, Gregório Duvivier, João Vicente de Castro e Ian SBF riam enquanto, como todos os grupos de amigos, planejavam um projeto que nunca se concretizaria. Dali, surgiu o desejo de criar um canal no YouTube para fazerem sucesso através do que tinham de melhor: a comédia.


Tá legal, provavelmente não foi isso que aconteceu, mas é assim que imagino que tenha sido. Afinal, fazer humor “sem papas na língua” entre amigos sempre foi a premissa de um dos maiores sucessos do YouTube. Em um tempo em que falar palavrão e citar marcas era quase um crime na plataforma, o Porta dos Fundos já começou desafiando esses protocolos, trazendo um humor “rebelde” desde o início. Fundado entre amigos de maneira amadora, o grupo conseguiu alavancar seu sucesso quebrando todas as regras – até mesmo a de não se falar de “Porta dos Fundos”.


Táticas para o sucesso

Com seu primeiro vídeo publicado em agosto de 2012, o canal não demorou muito para alcançar altos níveis de audiência. Claro que a ideia de entregar algo completamente novo no cenário do humor brasileiro foi um dos grandes motivos para seu crescimento orgânico, mas o planejamento, estudo dos hábitos do consumidor e estratégias de marketing foram fundamentais para a consolidação do Porta.


Antes mesmo de começar, o canal já possuía uma estrutura sólida e passos planejados. Os sócios passaram meses juntando dinheiro e produzindo antes de decidirem postar o primeiro vídeo, tudo isso como uma estratégia de entregar conteúdo de qualidade – ainda que amador – e garantir a continuidade. Além disso, o dinheiro arrecadado foi fundamental para a divulgação do Porta dos Fundos desde o início. Na época, sites e blogs estamparam anúncios do primeiro vídeo do grupo, e não demorou muito para a imprensa entrar na onda.


A estratégia do Porta dos Fundos, entretanto, não se restringe a propagandas e frequência de postagem. Simples, mas eficaz, ela está na própria construção dos conteúdos. Num universo onde a atenção das pessoas é curta e disputada, o canal apostou na concisão. Seus vídeos de esquetes não ultrapassam cinco minutos, mas são o suficiente para arrancar risadas e fazer o público implorar por mais. E, claro, a última cena, que é um complemento ao esquete, funciona como a cereja do bolo. Ela é uma isca para levar o espectador até o final e garantir que os pop-ups para inscrições e visualização de outros vídeos cheguem até o público.


O sucesso do Porta dos Fundos, no entanto, não é apenas resultado de piadas bem construídas e planejamento estratégico. O canal sempre teve um timing incrível, aproveitando as tendências para garantir o alcance. Além disso, o grupo sempre soube usar as oportunidades a seu favor.


Anunciamos, mas do nosso jeito

Quebrando o acordo silencioso de não mencionar marcas no YouTube, o sexto vídeo do Porta dos Fundos já chegou desafiando as normas da época. O grupo publicou um esquete satirizando o atendimento do Spoleto, que logo atingiu grandes índices de visualização. Para contornar a situação, a diretoria do fast-food procurou João Vicente, um dos sócios, para encomendar uma continuação.


No segundo vídeo, agora publicado no canal do Spoleto, a rede tenta mostrar que também não concorda com esse tipo de atendimento. O posicionamento da marca fez tanto sucesso que ainda decidiram gravar um terceiro vídeo, abrindo assim as portas para o Branded Content no canal. Depois disso, o Porta dos Fundos passou a ser muito procurado por empresas para anunciar seus produtos, e depois de três meses da estreia, já tinha receita suficiente para bancar os custos da estrutura.


Com a procura, o grupo começou a pensar em como colocar anúncios em seus vídeos sem perder a identidade que já havia conquistado o público. Por isso, até hoje, quando uma empresa deseja se promover com o canal, ela só precisa falar o que quer anunciar e esperar que a criatividade da produtora cuide do resto. Assim, o Porta garante a visibilidade do cliente enquanto mantém seu tom irreverente e transforma a publicidade em uma extensão do seu humor peculiar.


Monetização além do óbvio

Mesmo a publicidade sendo uma parte crucial da receita do Porta dos Fundos, essa não é a única maneira que o canal encontra de monetizar. Ganhar dinheiro já se tornou uma arte para a produtora. Além do óbvio, como monetização por engajamento do público e possibilidade de assinatura de conteúdos, uma parte do dinheiro chega ainda da Loja do Porta.


Entretanto, a receita do YouTube e vendas ainda é pequena se comparada aos ganhos com a produção de conteúdos em outras plataformas. Juntando tudo isso, um levantamento do Social Blade estima que o canal fatura entre US$131,5 mil e US$2,1 milhões anualmente. Dessa forma, o Porta dos Fundos provou que o humor pode ser rentável. Eles conseguiram ultrapassar fronteiras geográficas, ter a atenção de investidores e até serem adquiridos pela gigante americana Viacom – mas disso a gente fala mais pra frente.


Muito mais que esquetes

Com o crescimento acelerado do canal, o Porta dos Fundos passou a produzir mais do que apenas esquetes. Com quadros como “Fundos da Porta” e “Portaria“, que mostram bastidores e interação com fãs, e até um programa de entrevistas chamado “Porta Afora“, os fundadores conseguiram criar uma teia de conteúdo que vai muito além de seu conteúdo tradicional. Mas não só isso: o canal conta com webséries, como Viral, Refém e O Grande Gonzalez, que possuem episódios maiores e contínuos, além de terem sido exibidas também na FOX.


As webséries na plataforma abriram portas para outros tipos de produção, fazendo com que o grupo não se limitasse ao mundo de vídeos curtos. Com o filme “Porta dos Fundos: Contrato Vitalício” na Netflix, os comediantes mostraram que o humor pode transcender as fronteiras do YouTube.


O longa, entretanto, não é o único produto Porta a ocupar o streaming. O Especial de Natal criado para a Netflix em 2018 repercutiu negativamente entre os cristãos por apresentar um Jesus gay e um Deus que vive um triângulo amoroso com Maria e José, mas ainda assim venceu o Emmy Internacional de Comédia em 2019. Além da Netflix, outras plataformas de streaming também possuem produções do canal. No Prime Video, por exemplo, é possível encontrar os vídeos de maior sucesso da produtora.


Filmes, séries, vídeos e conteúdos gravados não são as únicas produções do Porta dos Fundos. Um espetáculo de teatro 100% improvisado, um aplicativo oficial do canal e jogos inspirados em alguns bordões muito conhecidos pelos fãs são apenas algumas das formas que o grupo encontrou de diversificar o portfólio e se fazer relevante em todos os nichos. Não apenas em todos os nichos, mas em outros países: em 2019 foi lançado o primeiro esquete do canal Backdoor, franquia no México que possui também conteúdos em inglês.


De grupo à empresa internacional

Com todo o sucesso do Porta dos Fundos e expansão de projetos, o canal precisou encontrar um gerenciamento eficiente que desse conta das rápidas mudanças. Por isso, em 2014, o grupo tomou a decisão de contratar Juliana Algañaraz, ex-diretora de operações da Fox e Discovery, para administrar e profissionalizar as operações. Assim, o canal passou de coletivo criativo a uma produtora de entretenimento de alta performance.


Três anos depois, outro marco para o Porta: a trajetória do canal tomou um novo rumo quando, em 2017, foi adquirido pela gigante americana Viacom, conhecida por ser a detentora de canais como MTV e Nickelodeon. Esse movimento não apenas injetou recursos estimados em mais de 60 milhões de reais, como também mudou a estrutura de propriedade. A ideia da transação era internacionalizar a marca e garantir a produção de mais vídeos por semana, e mesmo com a Viacom detendo 51% das ações e os sócios originais mantendo 49%, a liberdade criativa que definiu o canal desde o início permanece intacta.


Agora, mesmo que o Porta dos Fundos continue fazendo parte da Viacom, mais uma mudança foi anunciada recentemente. Em um vídeo publicado no início de novembro, o canal anunciou que agora os esquetes, que sempre foram o carro-chefe, não serão mais publicados no YouTube, mas no Mercado Play. Entretanto, os sócios fizeram questão de enfatizar que os outros conteúdos ainda serão disponibilizados no canal.


A mudança para a nova plataforma marca mais uma das dezenas de fases na distribuição de conteúdo do Porta dos Fundos. Ao migrar os esquetes para o Mercado Play, o grupo não apenas busca novas formas de monetização, mas abre portas para modelos de negócios e interação mais direta com o público. Assim, a produtora navega nas ondas da transformação digital e se consolida como uma potência do entretenimento.


De portas abertas para o sucesso

O sucesso do Porta dos Fundos não se resume apenas ao humor afiado. Eles souberam surfar na onda do momento, aproveitando tendências e agindo com timing perfeito. Com projetos diversos, o grupo se transformou de coletivo criativo para uma verdadeira máquina de produção de conteúdo. Onde eles vão abrir a próxima porta? Só o tempo dirá, mas com certeza será com uma piada pronta para arrancar gargalhadas e, quem sabe, gerar mais uma controvérsia ou duas. O importante é que, no final do dia, a porta esteja sempre aberta para o riso.

E aí, vamos conversar?

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