
Helena Cardoso e Camylla Silva
Mar 27, 2024
Daniel Alves, Robinho e a perpetuação do silenciamento de mulheres.
No Brasil, uma mulher é estuprada a cada oito minutos, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Essa estatística, por si só, deveria ser suficiente para mobilizar toda a sociedade em busca de mudanças reais. No entanto, quando o agressor ocupa uma posição de destaque, como é o caso de alguns jogadores de futebol, a história muda e a gravidade desses crimes parece ser minimizada.
As recentes polêmicas envolvendo os casos de Daniel Alves e Robinho, ambos condenados por estupro, ilustram como a fama e o dinheiro podem ofuscar a seriedade dos atos cometidos. Enquanto Daniel teve sua pena reduzida pelo apoio financeiro de amigos para enfrentar as acusações, Robinho, mesmo com pena confirmada pela Justiça italiana, ainda encontrou clubes dispostos a contratá-lo. Esses casos não são isolados e refletem uma cultura mais ampla de proteção e impunidade que envolve homens famosos e poderosos.
O poder da fama
O estupro, um crime hediondo e inafiançável segundo a legislação brasileira, parece encontrar brechas quando os acusados são figuras públicas adoradas por milhões. Daniel Alves pôde comprar sua liberdade provisória através de uma fiança milionária, o que estabelece no imaginário social quanto custa estuprar uma mulher.
A mensagem enviada é perigosa: a fama e, principalmente, o dinheiro podem, de fato, amenizar as consequências de atos inaceitáveis. Tal realidade perpetua a violência, desvalorizando a vida e a integridade das vítimas em favor da preservação da imagem do agressor.
A união realmente faz a força
Ficou muito claro, no caso de Daniel Alves, como os homens se unem quando são acusados de crimes contra a mulher. Eles se protegem ajudando nas despesas do processo, se protegem desacreditando a vítima e se protegem com “ele não é assim”, “foi ela quem provocou” ou “ela não se deu o respeito”. Essa cultura de proteção reflete uma realidade na qual a violência contra a mulher é minimizada, desculpada ou ignorada.
A tal solidariedade masculina, um pacto de silêncio e defesa mútua, perpetua a impunidade. Ela sugere que a lealdade entre homens é capaz de superar o respeito pelos direitos e pela dignidade das mulheres. É exatamente por isso que toda mulher conhece outra que foi vítima de abuso, mas nem todo homem conhece um abusador.
Esse paradoxo não é coincidência, mas o resultado de uma sociedade que ensina os homens a protegerem uns aos outros, mesmo à custa da verdade e da justiça. O "código de silêncio" serve apenas para proteger os agressores enquanto isola ainda mais as vítimas.
Afinal, de quem depende o fim dessa cultura?
Embora importante, a mobilização não deve se restringir às autoridades ou às organizações de defesa dos direitos das mulheres. Ela deve começar em cada um, seja questionando e modificando comportamentos machistas no dia a dia, seja apoiando vítimas e denunciando agressores. A solidariedade masculina deve ser redirecionada para a defesa da justiça e da integridade, não para a manutenção de um sistema que permite a violação dos direitos mais fundamentais das mulheres.
Por isso, a luta contra o estupro e a violência de gênero exige que toda a sociedade se una para acabar com a cultura de impunidade que alimenta o ciclo de violência. Não se pode mais permitir que a fama, o dinheiro ou qualquer forma de poder sirvam como um salvo-conduto. A dignidade e a liberdade de todas as mulheres devem ser inegociáveis, inafiançáveis e plenamente respeitadas.